segunda-feira, 28 de abril de 2008

... do que lhe é alheio ...

Saiu do banheiro, no hotel, num outro canto que não o dele; viu que eram todas ríspidas, as curvas do corpo mutilado no espelho, mutilado pelo espelho e pelos olhos. Ele estava entrecortado, nu, tremia, fremiam, gemia baixinho de prazer. Ele era um canto pra uns, um ombro pra outros, um estômago pros altivos e um zumbido pros menos afortunados. Ele era uno com o externo e alheio a si mesmo. Ele via o corpo, então. Era dele, mas era um externo, na reflexão. Não era ele, naturalmente, era um tal de José. Era um tal de Pizarro - mais um alheio. Pensando em Elogios, Adágios e sinfonias, chegava a lugar algum. Pensava em morfemas e sintaxe pro tempo passar. Queria dormir, nu, tremendo, fremendo, gemendo baixinho. Sabia que o número do quarto era chave pro entretenimento, pro alheio que lhe seria interno e vice-versa e ora bolas ! e ulalá !. Tinha a certeza de que aquele alheio de Santa Rita poderia ser diversão garantida, a priori. Não foi, não seria e faz tempo que não se é - ele, claro. Deitou-se pensando no dia seguinte e no outro e no outro. Desejava delineá-los, cobiçava o controle instantâneo, um agendamento de tudo e todos, sem exceção. Cobriu-se, tremendo, fremendo, gemendo baixinho. Fechou os olhos d'abajur aceso, ligado, eletricamente útil. A tecnologia lhe parecia tão íntima do iluminismo que qualquer dissertação que lhe fosse precisa incluiria esse tema, do contrário, era tolice descartável. Não se importava com nomenclaturas e técnicas de dialética ou o caralho a quatro. Vomitara sangue, em segredo, no outro cômodo. Sentia que as dores aumentavam. Apagou o abajur, fremendo, gemendo baixinho. Chorava. Queria paz, mas uma paz altiva, franca e contemporânea. A paz dos liberalistas que não podem ceder ao inoportuno ócio, a paz dos ociosos que se integraram inconscientemente no liberalismo. Desejava acordar logo, mas era preciso dormir... Levantou-se. Pra dormir, sabia que teria, antes de luto, de levantar-se. Levantou-se com um pouco mais de força que o normal porque doía e não queria sentir tanto. Mostrou-se o pênis ao espelho. Ficou olhando. Era algo mais externo ainda. Como se fosse um externo daquele externo, uma extensão não desconhecida, mas nada íntima. Cerveja. Tinha no frigobar. Nada de abajur. Cerveja e ele e o cigarro e a dor e a ansiedade. Podia dormir. Deitou-se. Bebia. Cobriu-se. Bebia. Doía. Dormiu, pensando em alheios que não lhe saciam. Em ideais, idéias e outras póstumas de vanguarda. Dormiu, pensando em alfabeto, canto, sono e moinho. Dormiu, cantando ... gemendo baixinho.
"Don't you think wouldn't get enough of silly love songs ?

Well, I look around and it isn't so."

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