terça-feira, 29 de abril de 2008

... dum monólogo ...

Desperdiçados. Cada um dos dias que se passaram foram desperdiçados. Afoguei a todos na mais pura e coesa das minhas imperícias. Não se sabe ao certo quando a decisão errada, a caminhada tortuosa ou o desvio indevido aconteceu, mas aconteceu. E aconteceu de um jeito tão impactante que nem doeu. Recebi a notícia enquanto sozinho, indefeso, incauto. A pressão baixou, as mãos se contorceram inutilmente e o cenho franziu. Os olhinhos de comer fotografia não piscavam e cada gota daquele inesperado suor descia dolorida e impertinente, manchando e incomodando.Descobri ser mais um entre esse monte de outros. Andei descobrindo muitas outras coisas de deixar o cabelo em pé, o corpo aos solavancos, a mente inerte, a alma sangrando. Coisas absurdas de paganismo, planalto central, magia e meditação. Também descobri coisas sobre o labirinto que cada um vê no espelho. Esses montes infindáveis, cheios de segredinhos indecifráveis e incomentáveis. Os labirintos do dia-a-dia, tão reprimidos quanto um peidinho. Fecaloma é o resultado da opressão dos peidinhos, sabe? As paredes do reto se dilatam e alguma coisa faz com que quantidades enormes de merda endureçam por ali. Ficam e ficam e se agrupam e se retorcem, fingindo espaço. Não saem, multiplicam-se. Labirintos, sim. Os labirintos do dia-a-dia, tão reprimidos, refletem-se no espelho de uma forma tão gutural, tão tensa, tão macia quanto uma facada da própria mãe. Sei disso porque eu conheci muita gente, falei com muita gente e sou meio empático. Não que eu seja dos mais confusos, complexos ou peculiares, sou todo assim: só, eu, que como todos, também sou bicho solto, cão sem dono, menino bandido.Ontem, teve em casa uma festinha. Nós seis, todos promissores, bêbados demais pra transar, cada um com sua cigarrilha representativa e o fedor de digressão pairando no ar. Nós e nossos futuros almejados ali, na nossa frente, falando do conservadorismo de Luther King, das teorias de alcoolismo da Calcutá, Rousseau e Hobbes sendo aproximados, o amor em Castro Alves e beijando Kafka e Roterdã. Inicialmente, estudaríamos entalpia mas fracassamos. Desperdiçamos, todos, tempo estranho. Diversão, utilidade, sociabilidade, fé fraternal, desperdício. Contudo, o cheiro de digressão ainda paira no ar. Esse fedor de alegria e tagarelice aguda consome meu bom-humor. As dores pelo corpo também. Parece-me ter pecado todos os pecados de pernas pro ar. Sentar na janela da pia da cozinha e olhar pro gramado.Meu cachorro dança febril, feliz, canino pelo jardim. Não desperdiça tempo e nem nada porque não o tem. Não como um ser humano, sortudo, que tem dezenas de centenas de preocupações que não o preocupam, outras tantas dezenas de centenas que o preocupam e mais umas dúzias das que são particularidades pessoais. Bonnie. Deveria pôr um chapéu e colocá-la num Cadilac 56, já que nunca vi o filme. Releitura chique. Brincando com o osso, percebe a minha presença muda e sem semblante expressivo. Late aparentemente feliz enquanto olhando pra mim. Quer dizer alguma coisa. Engraçada essa esperança que temos de, enfim, entender o que nossos animais nos dizem. Criava porcos-da-Índia pra alimentar uma píton albina que morava no quarto de hóspedes de casa e adoraria saber o que os roedores diriam pra mim, podendo entender. Sempre olhavam nos meus olhos, soltos no quarto, ela descendo da árvore-casa, desperdiçando tempo, com os olhinhos brilhantes e tenros deles. Fracassavam e eu ria do fracasso deles. Acho que vai chover e lembro ter de estudar o clima europeu.Gotas no telhado do vizinho. É assim que aprendi a ver se está chovendo. Posso ouvir o baralho das gotas nas telhas, no asfalto, nas pessoas correndo com seus guarda-chuvas, mas sempre preferi olhar para aquela sombrinha debaixo da telha do vizinho. Observar atentamente a profundidade e o cinismo da chuva. Descobrir os de fatos da chuva. Ora ora ora, não pensemos, eu e você, que eu não gosto de cinismo. Adoro uma conversa afogada em cinismo e em truncadas. Exercício pra mente, essas conversas e os criptogramas das revistinhas da minha mãe. Ai, minha mãe... Quando souber...Não acredito em céu e nem em inferno. Não sou fã de nada que não pensa e finge cumplicidade. Cumplicidade acima de tudo. Impressionante não terem passeatas e nem homenagens à cumplicidade de bom coração. Mas como eu dizia, concluindo daqui dessa janela, com as roupas encharcadas pelas gotículas de chuva que me acertam, desordeiras, não acredito em misticismo, em Nova Era, em cosmo nenhum. São tolas e grandes bobagens. Se não houvesse um Deus, alguém o criaria. Acho que foi algo assim que disse o discípulo de Schopenhauer. Enfim, se fosse pra eu refletir sobre esse tema – e é o que tenho feito nessas últimas hora -, eu diria que existe um céu pra cada coisinha. Um pra objetos quebrados, um pra gente ruim, um pra gente bacana, um lugar pros dinossauros, um pros filmes ruins, um pra todo aquele café do Convênio de Taubaté ... e um pros meus porcos-da-Índia, que não foram minhas namoradas, mas estariam olhando pros meus olhinhos, soltos na janela, ela impressa na internet, desperdiçando meu tempo, com os olhinhos brilhantes e tenros deles. Fracassei e eles riem do meu fracasso.

"Eu vai dar tiro no teu carro."

Um comentário:

D u d e disse...

nojento, engraçado, sujo, infame...eu não consigo parar de rir... hahahahaha